Primeiro foi a calça. Cansada de estar sempre retorcida, esquecida dentro da gaveta, resolveu se desenrolar. Arrastou-se, sorrateira, até a ponta da sacada. Sobre o parapeito, equilibrou-se em suas bases bambas, dobrou-se sobre a costura para ganhar impuso e saltou. O tecido encontrou o galho e se enganchou, como um paletó que abraça o cabide.
A meia-calça, aquela invejosa, logo quis seguir os passos da irmã. Deslizou até a janela, esticou as pernas de lycra e pulou. Arranhou-se toda no caminho até encontrar um lugar para descansar, desfiada. O vestido veio em seguida, procurando arejamento para suas saias desinibidas. A toalha jogou-se em busca de mais vento para secar os fios, que já mofavam dentro do apartamento. Até o pano de chão quis também se sentir mais livre depois de tanta escravidão.
Do lado de fora, as roupas rebeldes esperam juntas a chuva para lavar a poeira da cidade e bronzeam-se contentes ao sol. E as saudades que têm do armário passam logo: hoje nem se lembram mais da sensação de deitar sob um ferro quente, sentir os beliscões dos pregadores ou de rodar nos imperdoáveis ciclos de enxágue da máquina de lavar.